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A VIDA DE COMUNIDADE – por D. Gréa
(Voix du père nº 45 – 18 de julho de 1948)
1- Os sacrifícios que ela impõe
Parece que as células das abelhas deveriam tomar a forma dos corpos das abelhas, isto é, deveriam ser redondas. De fato a abelha transuda a cera em volta dela para construir sua célula, de modo que essa deveria ser totalmente redonda. Porém, como as células se imprensam bem uma contra as outras, tomam por conseqüência dessa pressão a forma hexagonal.
Na vida de comunidade exercemos uma espécie de pressão uns sobre os outros. E a doçura, a tranqüilidade, a paz e a ordem da casa consistem principalmente em saber suportar essa pressão. Se cada um quisesse ter todo seu espaço, a gente cairia na falta que chamamos de susceptibilidade. Aqueles que vieram jovens na comunidade são os mais expostos a essa falta, mais que aqueles que passaram longos anos no mundo. Acostumados as considerações que recebem por parte de seus superiores e de seus irmãos, eles não sabem receber os choques que se encontram infalivelmente nas comunidades. No mundo a gente não é poupada. Recebemos choques, golpes e contra-golpes. Precisaria ver como um corporal (militar) trata os homens na caserna (quartel). Ele não lhes poupa os insultos, sem que os soldados possam se queixar. Nas famílias é um pouco a mesma coisa, de modo que aqueles que vêm do mundo após ter passado alguns anos nele e suportado seus tratamentos, não se surpreendem com os choques que recebem aqui. Os superiores talvez vos controlem demais. Se vocês estão mal dispostos, não vos fazem advertências das quais teríeis necessidades, porque vos às receberiam mal.
São Nilo não era desse jeito. Tinha um discípulo que amava muito, do qual não deixava passar nada. Acontecia-se um incidente na comunidade, era ele o autor; se algum pote quebrava ainda era culpa dele. Agia desse modo para alimentá-lo de humildade. Ah! Nós estamos longe desta virtude. Quantas vezes jovens religiosos têm vindo se queixar que seus superiores estão sempre em cima deles, que lhes querem mal, etc. E todavia, quantas atenções recebemos por parte de nossos irmãos, quantas considerações. Eles agem bem, mas nós tomamos o hábito de sermos poupados, governados. Nossa "pele" se torna totalmente sensível e não suportamos a menor beliscada. Trata-se de nossa natureza frente às humilhações, como nossa pele diante da tintura de sódio (?). A primeira vez isso não faz grande coisa, mas depois a gente se torna totalmente sensível que não a suporta mais. Perguntem ao Fr. Nicolas! É o contrário do que deveria acontecer. Nos deveríamos endurecer no lugar de temer esses pequenos choques, deveríamos recolhê-los com cuidado, pois são caros e preciosos. Nisso consiste a humildade. Meus interesses são nada; aqueles de Jesus Cristo são tudo. É preciso ser insensível para nós e sensível às feridas do coração de Jesus, isto é, o pecado. Precisamos nos exercitar para destruir em nós toda suscetibilidade, a ponto de chegar a não sentir mais nada. Por acaso nos fizemos religiosos para ser poupados ou alisados, para que sempre nos digam: "Como você é querido, bondoso"! Não! Mas para nos aniquilar é necessário que os fracassos (?) da vida humana nos encontrem quebrados, esmagados ou acostumados.
A gente adquire uma grande potência se deixar de ser suscetíveis. O superior não deve ser suscetível se quiser manter sua autoridade a altura que deveria ter. Raux não é susceptível, ao contrário, vejam como é paciente, misericordioso, magnânimo. Alcancem esse nível, a humildade se tornará fecunda, a caridade transbordante, uma vez liberta das garras ou ataques da imperiosa debilidade (?) de caráter. A humildade, como todas as virtudes, reconhece-se na prova. Quando D. Quixote quis partir para a guerra, testou sua armadura para ver se era sólida, tomou o capacete que era de papelão e lhe deu um grande golpe de espada. O capacete não resistiu. Ele fez outro, mas não quis testá-lo por medo de quebrar como o primeiro. O capacete novo não era melhor. O mesmo para nossas virtudes. Sem experiência podemos acreditar que avançamos na virtude e na realidade não temos nenhuma. Acreditamos que não temos paixões porque estão adormecidas, mas marchem, caminhem em cima delas, como se pisa no rabo de um cachorro que dorme e vocês verão! Elas se despertaram furiosas. Estas provas são boas para melhor se conhecer. Mas não é suficiente contentar-se em se conhecer bem, é preciso se corrigir.
05/07/1896
2- Os combates e as penas da vida religiosa
Não cabe a mim proferir a palestra de hoje. Por acaso Jesus do alto de seu presépio não prega bastante a vocês? Eu queria vos advertir, prestem atenção a uma coisa: nos somos levados a amar as doçuras e Nosso Senhor, de vez em quando, nos dá; ele nos trata como crianças pequenas, as quais ele dá leite, porque ainda não podemos com alimentos sólidos. Mas estejam atentos, no começo de nossa conversão quando estamos com os Pequenos Irmãos, temos muitas alegrias, mas não é sempre assim. E é bom que não seja sempre assim.
É necessário pegarmos a experiência e a força do combate espiritual, a vida é um combate. É necessário um sentido. Vocês acreditam que o soldado em campanha encontre prazeres, além dos inimigos para combater? Deve suportar o peso da fadiga e das marchas, o peso da fome, da sede e das bagagens sobre os ombros. O mesmo o é para o religioso; é um soldado que tem seus inimigos para combater e suas fadigas para suportar. São ......... (?) viu o cordeiro sobre a montanha e ao seu redor uma imensa armada. Esta armada é aqueles que combatem por ele. Devemos combater. Mais tarde o repouso, após a vitória nos alegremos; porém agora a guerra. Ainda é dado algum repouso aos jovens recrutas, mas aos soldados em campanha é cortado todo alívio. Devemos procurar não tanto gozar de Deus, mas a fazer isso: que Jesus se alegre de nós! Ser a alegria de Deus! É único prazer que devemos ter, como um bom soldado que, acabrunhado de fadigas e ferido, não tem maior satisfação que saber que seu general é contente dele; e que ele tem salvado a honra da armada.
Que tipo de penas nós temos? Inicialmente temos lutas, é bom que as tenhamos. Sem luta seriamos almas moles e tranqüilas que acreditam ter a virtude quando não a tem. Temos os combates contra nossas paixões, contra nós mesmos. Contra as criaturas, nas quais procuramos a nós mesmos. Combates contra o orgulho e suas facetas, o ciúme, o egoísmo, a sensualidade. Combater contra a castidade. É muito bom; a virtude só pode melhorar. Não há méritos sem combate!
Estes combates são necessários. É preciso sentir nossa miséria furiosa, os bramidos de nossas paixões que como bestas furiosas gostariam de nos devorar. Elas nos mantêm na humildade e na vigilância, nos fortificam no amor. Viva a guerra! Temos a paz de vez em quando a fim de respirar. Jesus aproveita destes instantes para nos conduzir à solidão e nos dar o leite, mas isso não nos dura muito tempo. Eu reanimei o vosso retorno ao combate. Não se pode transigir com o inimigo, este é um combate ferrenho, um combate mortal. Não é possível um tratado de paz entre o homem velho e o novo; é necessário que um sucumba e que outro vença. E até que esse fim não seja atingido a trégua não é possível. Vocês compreendem como é necessário entender essas coisas, isto é, não devemos olhas por cima dos muros do monastério para ver se seremos melhores de alhures. Devemos procurar contentar nosso Senhor. Oh! Como seremos felizes na hora da morte quando recolocarmos entre as mãos de Jesus nosso estandarte, que nos teremos valentemente defendido. Agora coroai-nos ó Jesus, nos temos lutado segundo todas as leis de guerra e da honra, nos somos dignos da recompensa.
Eis um lado de nossa vida. Do outro lado, temos que carregar o peso de nós mesmos. É bastante aceito que devemos enfrentar lutas. Mas o que não podemos admitir é que tenhamos alguma satisfação de nós mesmos. Estou sem sentimentos na oração, sem pensamentos atrativos, mas vocês acreditam que o soldado encontre algum prazer em campanha? Enviado a Saigon , ou no Senegal, sem lhe perguntar se isso lhe é agradável? Jesus nos doa sempre muita consolação. Deveria reservá-la para o céu, mas não pôde se conter, e assim nos doa algumas. Se ele não nos dá, temos o prazer de lhe ser agradável. Ó meu Jesus, eu me seguro a vossa porta; tremendo de frio; de vez em quando essa porta se abrirá e poderei entender vossa voz. Eu ficarei lá e se me aborrecer, me aborrecerei por amor de vós! Há muitas pessoas que se aborrecem de si mesmas. Vocês pensam que é divertido quando é preciso esperar durante horas inteiras diante da porta de prefeitos e ministros sem saber como seremos recebidos? Não sejamos delicados. É preciso saber se aborrecer. Se o aborrecimento é carregar o peso de si mesmo, ninguém basta a si mesmo. Precisamos de satisfações extras; mas há somente Deus que possa nos saciar; as criaturas só podem nos distrair: "Satiabor cum aparueritur gloria tua" (Estarei saciado quando aparecer a tua glória). Somente na eternidade seremos eternamente saciados. Até lá sofremos a fome, a sede, que se traduzem pelo sentimento de aborrecimento. Perseveremos até a morte e não desejemos que ela chegue antes da hora. Quanto mais a campanha será cumprida ainda mais teremos glória e méritos. Amemos a Jesus, e não procuremos mais nós mesmos! Se nos chegarem humilhações nós a tomaremos. Se nos chegarem calúnias nós a tomaremos. Há pessoas que passaram a vida toda nas calúnias. São José de Cupertino ficou muito tempo nas prisões eclesiásticas. São João da Cruz foi perseguido de todas as maneiras pelos seus superiores. Apesar disso, eles eram contentes, cantavam cânticos "gloriabur in infirmatatibus" (serei glorificado nas enfermidades). Eis a vida que abraçamos por Jesus. O que nos reserva em troca? O que nos reserva, não podemos compreender. O olho não viu, nem os ouvidos escutaram... nos perdermos no comprimento, na largura, profundeza, extensão do amor e da bondade de Deus.
Meus filhinhos, o Senhor Vigário me dizia ontem, saindo da creche, falando-me dos pequenos irmãos: Nós não fomos elevados como aquilo lá (?); éramos como os meninos (?). Quantas graças eles recebem e se mais tarde eles forem infiéis, terão um peso de responsabilidade espantoso para colocar diante de Deus. É verdade, o julgamento de Deus é proporcional aos dons recebidos. Que peso de ingratidão. Que responsabilidade. Que traição.
(D. Gréa, 29/12/1896)
3- A renúncia na Vida Religiosa
Recomeçamos nossas conferências antes da exaltação. A cruz está elevada para marchar diante de nós. A vida inteira é uma procissão de almas, servos de Deus que se dirigem para os céus, sob as insígnias da cruz. Marchemos corajosamente ao seu seguimento: "Aquele que quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e me siga". A renúncia de si mesmo eis o grande negócio, pelo qual devemos começar. Já nos foi dito muitas vezes, mas é bom repeti-lo, nunca chegaremos a um desapego completo de si mesmo. Renunciar a si mesmo é ser a seus olhos uma quantidade negligenciável, não se considerar absoluto, nunca olhar simplesmente do seu lado, mas do lado de Deus.
Em cada coisa que nos acontece, nos chega, podemos nos colocar sob dois pontos de vista diferentes: do lado de Deus ou do lado de nós mesmos. Nunca se colocar no ponto de vista de si mesmo. Se sofrermos, se fomos humilhados, que isso importa? O que isso nos faz? Negligenciemos tudo isso, para correr na frente em direção a Deus, com a agilidade que Ele nos dá. Somos uma quantidade negligenciável, então não devemos nos queixar. É algo de vergonhoso; há religiosos que se queixam mais que as pessoas do mundo. Para conquistar um avanço no mundo, quanto cansaço quantos trabalhos e talvez humilhações. A gente suporta sem se queixar, e algum religioso que trabalha só para avançar no amor de Deus (É obrigado a esse avanço sob pena de faltar gravemente ás obrigações de sua vocação) se queixa e de que? Queixam-se do tempo, de sua saúde, de seus companheiros, de seus superiores, de suas observâncias e obediências, de seus trabalhos.
O que eu sei? Quando a gente olha de nosso lado o amor próprio nunca é satisfeito. Para estar satisfeito, seria necessário ter para si mesmo o bem estar físico e ficar rodeado de adulações, bajulações, carícias. Não é isto que viemos procurar na religião. Pois viemos procurar as renúncias, o esquecimento de nós mesmos, e de nossas próprias satisfações. Quando recebemos uma humilhação, é necessário que ela não nos faça mal, mais do que a um outro. Se ela era feita a um outro, não nos faria nada; é preciso que seja como quando é a nós que recebemos (?).
Um dentista arrancaria os dentes sem dor... para ele. Quando nos arranca os dentes, isso não pode nos fazer mais mal como se fossemos a nós a arrancá-los a outros. Eis onde precisamos chegar. Não digo que seja fácil, mas com a graça de Deus chegaremos ao fim de tudo, superemos tudo. Eis essa primeira palavra "abneget semetipsum" ; é só o começo, em seguida precisamos tomar a cruz e seguir.
Quando a gente renuncia bem a si mesmo toma facilmente a sua cruz, aquela que Deus nos envia, a gente não inventa, não há escolha, não a embeleze. Alguém que diz: Oh! Eu tenho uma cruz pesada de carregar. Que cruz vocês carregam? A cruz de vosso mal humor, a cruz de vossos descontentamentos, sim é uma cruz que é pesada e que não é meritória. Nossa cruz é aquela que devemos carregar, é a cruz que Jesus nos envia; então nos o seguimos, o imitamos na honra que ele devolveu ao Pai, o seguimos fazendo tudo para Deus, mas fazendo o que Deus quer que façamos para Ele.
São esses princípios bem claros que vos foram ditos desde vossa entrada na vida religiosa. Ninguém de vocês pode se queixar de não ter sido instruído desta grande máxima de renunciar a si mesmo, vos foi dito e repetido muitas vezes que era necessário tomar vossa cruz e seguir Jesus na obediência, na pobreza, na humildade. Vocês o apreenderam e o cumpriram. Agora só fica colocar na prática até o fim de suas vidas. Aí daquele que é infiel. Nosso Senhor pronunciou uma sentença terrível contra ele. É do evangelho, meus filhos, e não se pode mudar o evangelho em palavras ou oratórias. Ele disse: "Aquele que bota a mão no arado e olha para trás, não é digno de Reino de dos céus". É a verdade, e nos veremos no julgamento final como ela se verificará. Esses infelizes serão mergulhados no inferno. É o evangelho que o diz.
Que esta desgraça não chegue a vocês, a vocês que entenderam a voz de Deus, esta voz tão doce que vos levou, ao longo de todas as operações da Providência, a este dia bendito de sua tomada de hábito e profissão. Eis o que Deus fez de vocês e como vocês lhe responderam. Agora marchem para frente. Não se admirem se o demônio procura engana-los. É seu trabalho, sua profissão, mas para frustrar suas sugestões, vigiem; isto não é suficiente, rezem. Aquele que reza persevera. Orai a Nosso Senhor para que vos torne mais humildes, mais generosos, para que vos ajude a vencer; o combate durará. Vocês terão talvez alguns períodos de paz, outros de fé, de combates bastante longos. Como Deus quiser; se ele vos envia certos combates, é para vos preservar de outros combates que vos seriam mais desastrosos. Às vezes a gente se queixa do cumprimento destes combates, isto acontece quando a gente favorece o inimigo, quando lhe permitimos entrar em nosso coração, quando escutamos a sugestão do demônio; então será mais difícil caçá-lo, mas não desanimemos, a graça não nos será recusada.
Temos um grande recurso para pedi-la, é a Santa Virgem. Lembrem que vocês lhe pertencem. Que vos proteja e que um dia, o último de sua vida, velados pelos santo hábito da vida religiosa que receberam com alegria no ingresso na comunidade, rodeados pelos sufrágios de seus confrades e seguidos deste salutar ............(palavra), que vos receba no céu. A comunidade do céu aumentará; é preciso que daqui a 50 anos ela seja mais numerosa que a comunidade atual na terra, daqui a 50 anos onde estaremos. A imensa maioria dos que estão aqui estarão mortos. Vocês todos têm mais de 10 anos, e a média da vida humana não é de 60 anos. Eu os passei, os 60 anos, mais cedo ao ou mais tarde não existirei mais. No céu nós veremos como Maria nos protegeu, veremos que a tal hora de nossa vida, sem seu socorro nos teríamos perdido pelo caminho. É tão fácil se perder, de tomar na floresta uma trilha errada por certa, de sair do caminho onde deveríamos marchar ao seguimento de Jesus. Então: renunciar a si mesmo, tomar a sua cruz e seguir Jesus; então chegaremos ao céu como ele disse: Aquele que me segue eu quero que esteja onde eu estiver.
D. Gréa, 14 de setembro de 1894
A MORTE SUPREMA RENÚNCIA NA VIDA DE COMUNIDADE
É bom que eu vos fale da morte. Um religioso deve encarar a morte e pensar nela freqüentemente. O pensamento acerca da morde dá essa sabedoria que S. Bento possuía desde sua jovem idade. "car gerens cemile". O pensamento sobre a morte inicialmente nos faz apreciar o justo valor da vida presente. Quando pensamos na morte não o fazemos de non sandi, por uma contrariedade, um mandamento que nos incômoda, uma fadiga, um aborrecimento; a gente o suporta valentemente. O que é isso? A eternidade vem. O pensamento de morte é também uma armadura que nos persevera das tentações que nos levam ao pecado, vaidade, ambição, vã glória, tudo que prejudica a alma. O pensamento da morte nos sustenta; ele é nossa força nos combates que deflagramos. O que é isso? O que faria eu diante da morte? Ah! Como seria feliz se eu pudesse apresentar a Deus formados plenos! Eis como o pensamento da morte é útil. Ele nos sustenta nos momentos difíceis. Quando eu era um jovem estudante de direito os religiosos eram bem raros na França e não vestiam seu hábito. Um dia que me encontrava para uma palestra da Sociedade São Vicente de Paula, tivemos a visita de um religioso inglês que tinha sido trapista na França na Abadia de Meilleret. Ele tinha trazido sua "côgula" que depositou numa sala vizinha. Introduzido na conferência, ele nos contou como a perseguição, tendo dispersado os religiosos da Abadia de Meilleret, tinha sido a causa da varias fundações de monastérios na Inglaterra. Ele nos contou a conversão de M. Wisseman e de vários outros personagens. Estávamos então no começo destes abalos, desmoronamentos que produziam na Inglaterra, na direção da Igreja Católica. Saindo, tive a honra de acompanhá-lo e contou-me a morte do abade de Meilleret D. Estevão, acho. Era noite da Epifania, o abade não viera para as matinas, ninguém deu atenção, pois sabíamos que estava doente. Na saída do oficio percebemos no fundo do claustro o Padre Abade, deitado no chão ao lado de sua lâmpada. Sofreu um ataque violento que o tinha impedido de chegar ao coro. A gente o transportou para o seu quanto, e lá disse ainda a seus religiosos: "Meus irmãos vocês me vêem morrer, se é custoso viver entre nós (Comunidade) saibam que é bem doce morrer entre nós (na comunidade)". Para nos preparar bem para a morte, lembremos o quanto a lembrança de uma vida inteira consagrada ao amor de Deus será consoladora na hora de nossa morte. Todas as vitórias que teremos obtido virão nos saudar, sobre nossa última cama. Para os religiosos infiéis, ao contrário, as lembranças de suas falhas virão os entristecer. Oh! Como será consolador o espetáculo de um passado bem empregado. Nossos pecados passarão diante de nossos olhos, mas teremos a alegria de tê-los expiados. Jesus virá na frente do cortejo de nossas boas ações e assim entraremos no céu. Não pagamos isso caro demais, não calculamos com os sacrifícios, para se preocupar com uma santa morte. A morte dos bons religiosos é o tesouro das comunidades; também é o fundamento delas. Quando Deus quis fundar a Ordem de Cister, que devia ter um desenvolvimento tão rápido, ele começou pelos ceifadores, e como as famílias não são ilustres que por uma série de mortes gloriosas, igualmente uma comunidade não é preciosa, que por um grande número de mortes santas e edificantes (?). Familiarizemo-nos com a idéia da morte e preparemo-nos para ela. Cada dia podemos disser uma pequena oração preparatória a morte, como por exemplo: Meu Senhor e meu Deus, já que devo morrer e que a hora da morte e desconhecida, etc.... Como também: "in manus tuas domine". É a palavra dos moribundos, dissemo-la cada noite com esse sentimento. A sagrada comunhão nos lembra o viático, a passagem. Sejamos verdadeiros religiosos, por isso desenvolvemos em nós a vida interior, diferentemente, nós teríamos a máscara de um religioso, o vento nos derrubaria. Enquanto estamos aqui estamos no abrigo, somos como flores numa estufa, mas quando nos expormos ao grande vento, se não formos bons religiosos, não poderemos agüentar. Cultivem sua vida interior pela oração, as leituras, pela santa comunhão. Temos todos os meios para nos tornarmos santos. O alimento da vida religiosa nos foi dado abundantemente, se nós não os usamos, assumimos ou teremos uma grande responsabilidade. O que vocês aprenderam, não esqueçam quando estiverem nos priorados. Retenham as decisões do retiro e as releiam "Non dormentibus sed vigilantibus, jura de seserviut". Temos direitos certos a santidade, mas a condição que não durmamos, num carro viajando podemos dormir, mas caminhando e dormindo não avançaremos, mas caímos.
D. Gréa, julho de 1893
AS DELICADEZAS DO CORAÇÃO
Esta noite gostaria de vos falar de uma coisa de aparência secundária. Mas que é como as flores do espírito de família. Uma árvore que não dá flores na primavera também não dará fruto no outono. A flor é o índice da vida da árvore, esta flor do espírito de família é a delicadeza dos sentimentos.
No espírito de família antes de tudo há o essencial. A obediência filial ao Pai; e o afeto para com os irmãos; é isso que constitui a essência. Além disso, há uma certa delicadeza que esses sentimentos inspiram, que faz o charme, que é como o espírito de família. O Senhor Raux, nosso bom médico, nos deu um bom exemplo dela hoje. O nosso irmãozinho Aloísio manifestou um desejo de doente que é necessário ouvir. Escutando-o, pode reconduzi-lo a saúde. Havia durante a guerra do Papa num hospital de Roma um pobre soldado ferido que piorava dia após dia, não tinha gosto por nada, e recusava tudo o que a enfermeira lhe dava. Um dia um médico veio vê-lo, com uma atenção muito delicada, sentou-se ao seu lado, pediu-lhe o que desejava: Gostaria isso? – Não Senhor! – Gostaria aquilo? – Não Senhor! – Gostaria de um pássaro assado? – Oh! Sim Senhor! Foi dado a ele um pássaro assado e voltou-lhe o ânimo, e algum tempo depois, a saúde voltou a ele. Contasse na vida de S. Wyend que havia em seu monastério um pobre religioso que ia morrer. São Wyend veio visitá-lo, deitou ao seu lado e acabou por conseguir descobrir que ele desejava um pouco de uva. São Wyend lhe fez trazer a uva, e esse pobre religioso foi salvo do mesmo modo que o do soldado.
Hoje, o irmãozinho Aloísio desejava muito ter um pássaro assado, o Sr. Raux saiu logo para caçar, ele encontrou somente quatro pequenos pássaros que enviou numa caixa com uma carta bem graciosa. São essas as pequenas atenções e delicadezas que vêem dos bons sentimentos. Noto que entre meus filhos do Canadá esses sentimentos são muito desenvolvidos. Ir. Cláudio os têm em grau elevado. Mostra-se com isso que a gente se esquece a si mesmo e que nossa maior alegria é dar prazer aos outros. Esta delicadeza, precisamos tê-la a respeito de Nosso Senhor. Meu Senhor, quero lhe agradar. Não desejo vos oferecer somente uma seara de trigo, isto é, não quero somente observar o que vos me ordenais. Mas quero vos oferecer flores. Ele as ama, no cântico dos cânticos, ele desce no seu jardim para respirar o cheiro das flores e ali colher lírios. Tenhais essa delicadeza.
Uma coisa que é absolutamente contraria e destruidora dessa delicadeza é o orgulho secreto que faz com que a gente estime a si mesmo e que se busque. O orgulhoso não tem delicadeza. Quando pisa nos pés dos outros não pede desculpas: Não fez de propósito, estava com apressado... Diríamos que ele está orgulhoso disso.Todavia, esta rudeza não é um mérito, é uma falha. Isto torna as relações sociais muito duras.
Uma outra coisa absolutamente destruidora da delicadeza é o espírito de critica. Aqueles que criticam seus irmãos, superiores, os bens da família.
Para uma comunidade o seu bem é a regra, seu bem são suas observâncias, seu bem são as virtudes de membros, com esse espírito critico a flor perece; esta delicadeza, que faz o charme (?) das comunidades desaparece. A vida torna-se insuportável, a obediência um jugo, a gente escuta só: "como", "por quê", é uma vida infeliz e perigosa. Tenta-se encontrar cúmplices e aprovadores, pessoas que pensam como nós. Vocês vejam como se pode fazer o mal, o escândalo que podemos causar. Tudo isto vem do egoísmo, não se ama seus irmãos; quando ouvimos falar de suas virtudes, já acrescentamos um "mas": Eu sou bom (?) – saber a quanto se anda..., Mas eu o conheço bem. Procuramos um ponto preto e encontramos, pois todas as ações humanas, mesmo as mais perfeitas, têm sombras e imperfeições.
A delicadeza faz com que se ame as virtudes dos outros. Santo Antonio no começo de sua conversão, do século (profano?) para a vida perfeita, visitava muitas vezes os servos de Deus em suas células, afim de admirar e de tomar deles o que pudesse imitar; não encontrava todas as virtudes em cada uma, mas admirava aquelas que encontrava.
Em uma comunidade temos continuamente a ocasião de fazer isso. Se o desejarmos nada de mais fácil, pode-se respirar o perfume bem a vontade, quando recebemos cartas do Canadá, onde nossos bons irmãos nos contam todos seus trabalhos e seus sacrifícios, em vez de admirar-me e de colocar algum "mas", devemos admirá-los e nos sentir chamados a imitá-los. Esse é um dos grandes benefícios da vida religiosa.
A vida religiosa procura vários benefícios:
1)- pode-se animar a virtude pelo exemplo de nossos irmãos;
2)- pode-se animar a paciência pelo suportar os defeitos e as virtudes dos nossos irmãos. Suas virtudes podem talvez ser o nosso fardo. Vimos doentes extremamente irritados com os cuidados que a eles dispensamos, e quanto mais os cuidados eram assíduos mais eram revoltados, assim, Deus permitindo, para o exercício dos que os cuidavam.
3)- pode-se exercer essas delicadezas, essas pequenas atenções que não são nada, mas que na verdade são muito, porque vêm do coração. É preciso que o nosso coração se desenvolva ou se endureça, pois não é um móvel que pode estar (?) como ele é, ou ele se comprime ou se dilata. Que o nosso se dilate e se expanda como cera derretida. Recebi hoje uma carta do bom Pe. José. Eu lhe havia escrito para disser-lhe que deseja muito ir ao Canadá, porém me torno velho e que se aproxima de mim a eternidade. Ele me responde que este pensamento o faz chorar. E uma delicadeza de sua parte, poderia não tê-lo me dito. Reconhece-se seu bom coração. È necessário que nosso coração se torne sensível: o coração dos santos era tão agradável que as lagrimas lhes caíam dos olhos muito facilmente. São Domingos chorava a vista de alguém que sofria. São Martinho tinha sem cessar os olhos úmidos de pranto. Um dia em que algumas pessoas vieram visitá-lo, seu discípulo, que mais tarde seria um santo, mas então era para ele um exercício, São Brice diz a eles: "Vocês vêem ver um louco: é um homem que chora e que ri sempre". Esta delicadeza não é objeto de estudo. Ela é adquirida pela abnegação de si mesmo. Pelo esquecimento de sua própria personalidade, pelo amor de nosso Senhor, pelo espírito de fé que consiste em ver a Deus nos nossos superiores, irmãos, através do véu que os esconde a nossos olhares. Então a gente é feliz.
D. Gréa 02 de fevereiro de 1894