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TESTAMENTO ESPIRITURAL DE D. GRÉA
Dirigido ao capítulo dos Priores no dia 09 de abril de 1902
Meus caros confrades, o vosso Superior envelheceu. Antes de prestar à Deus a conta medonha do meu encargo, gostaria de vos dar, sobre a natureza e os deveres de vossa vocação, alguns pareceres (opiniões pessoais) que conservareis como uma herança. Por mais que eu seja indigno, recebi a missão de vos conduzir, e é por esse título (motivo) que peço que fiqueis atentos às minhas palavras. Não direi nada sobre mim mesmo. Aquilo que vos ensinarei encontrei nos escritos de nossos Padres, nas instituições, nas tradições e nas constituições de vossa ordem, nas máximas e na prática dos Santos.
A ordem dos Cônegos Regulares, vos o sabeis, tem suas raízes nas origens da Igreja. È no cenáculo que Nosso Senhor, instituindo o sacerdócio, fundou, para todo sempre na Igreja, a vida de comunidade de seus padres e de seus levitas, esta vida de comunidade que no lugar de individualidades, onde cada uma agiria segundo suas próprias luzes, faz de nós o mesmo corpo agindo na unidade desse corpo. O chefe deste grande corpo é Jesus Cristo e (o papa?) o seu Vigário na Igreja Universal, o bispo na Igreja particular, e em cada comunidade o abade ou Superior tem o lugar de bispo para com seu rebanho. O bispo foi ele mesmo, no passado, o Abade dos Cônegos Regulares, como o Abade dos monges era o chefe deles. A secularização das pessoas eclesiásticas e a divisão dos bens entre elas, rompeu com esses laços antigos de governo cenobítico do Episcopado. Dirijo-me a vós meus irmãos, que são revestidos das Ordens Sagradas, porque vos caberá sustentar, manter e desenvolver a vida canônica que temos abraçado.
Sem dúvida, vós não estareis sempre todos reunidos na mesma casa maior, sereis enviados nos priorados pela utilidade e o serviço da Igreja. Muitos perigos vos esperam nesta espécie de dispersão, como o perigo da negligência, podereis ter superiores que negligenciem ou que talvez se deixem arrastar às irregularidades e aos relaxamentos da disciplina regular. Ou perigos por parte das influências de fora: podereis ser impressionados pelo bem que se faz ao redor de vós, pelos padres, vizinhos, mediante recursos que não são conformes ao espírito e as diretrizes de nosso Instituto, e vós desejareis imitá-los. Lembrai-vos que sobre cem bens que nos são oferecidos, têm 99 que devereis deixar para vos aplicar aquele ao qual fomos chamados por Deus.
Deste modo vós podereis se sentir cativados a abandonar o modo de ação que nos é próprio, e pelo qual Deus entende que nos ajamos, para vos dedicar a certas devoções modernas suscitadas lá onde a vida litúrgica enfraqueceu e para suprir sua ausência. Estas devoções são muito boas, certamente, mas nós fazemos pelo retiro e exemplo, uma vida de oração e de penitência. O objeto dessas considerações e de minhas breves recomendações será o tríplice emprego ou dimensões as quais os Cônegos Regulares podem estar aplicados, segundo o fim de sua vocação. Este fim compreende primeiramente, a louvação de Deus ou culto divino (liturgia), em segundo lugar o ministério pastoral, sacerdotal ou levítico junto aos povos, e enfim a educação e a formação dos jovens Clérigos, pelos quais está assegurada, garantida a perpetuidade do serviço divino e das almas.
O primeiro desses empregos ou dimensões, pela dignidade e excelência, é o culto divino, do qual S. Tomás, falando dos Cônegos Regulares disse: "os cônegos são feitos propriamente para o culto divino". O louvor de Deus é o objetivo final do homem, o melhor fim de toda a criação, da qual o homem é o chefe, e o fim da Redenção no Cristo, isto é, Nele o fim da Igreja, que milita nesta terra dividida no tempo entre a adoração e as necessidades do combate pelas almas, se prepara a não ter outra preocupação na eternidade. Hoje esta importância do culto divino é pouco compreendida. E é importante mantê-lo no primeiro lugar, posto que lhe pertence.
Nas diferentes ocupações, guardemos a Santa indiferença, que convêm aos religiosos. Sejamos essas flechas escolhidas e escondidas na aljava de Deus: Posui te sagittam eleitam; abscondi te in pharetra mea. Esta flecha escolhida, Deus a reserva ou a dirige no combate contra seus inimigos, segunda sua vontade. Meus irmãos Sejais cada um uma flecha escolhida, aviada, passada ao fogo e purificada de toda a ferrugem terrestre, emplumada para não tocar a terra. Infelizmente pode tocar, não somente nas grandes quedas, mas também se tornando mundano pelo gosto das coisas do mundo, perdendo o gosto pelas coisas de Deus. Digo-vos essas coisas com toda a força do meu amor paternal. Conserveis minhas palavras e após minha morte, transmitam-nas àqueles que vierem depois de nós.
Ameis, meus irmãos, os felizes laços que fazem de nós os escravos (servos) de Deus. Não procureis falsas liberdades só na aparência de bem. É deste modo que chegam as ilusões. Os conselhos dos amigos sem missão podem nos por a perder. Vejam o profeta enviado a Samaria, que enganado por outro profeta, abandona o mandamento que Deus lhe deu e morre golpeado por um leão. Se os Jesuítas, no século passado, tivessem executado os conselhos que recebiam de salvar os institutos modificando-os para se ajustar aos tempos, hoje não existiriam mais, rejeitaram os conselhos da prudência mundana; (Frase em latin), e eles vivem plenos de vigor e abençoados por Deus. Esta grande lição ficou em suas tradições, e em outras ocasiões eles agirão com a mesma constância. Aquilo que perderam os institutos mais piedosos, como o caso particular de Congregações de Cônegos Regulares, foi por ter seguido os conselhos da prudência humana, quae inimica est Deo, e ter pouco a pouco modificado e enfraquecido as regras antigas. Estes conselhos humanos, eu os recebi mais do que uma vez, seja dos amigos seja dos adversários, e pela graça que Deus me deu não os segui, seguimos sim os conselhos divinos contrários a esta prudência humana, escritos nas regras e nos atos dos Santos nossos ancestrais, e por isso nossa comunidade conhece esta bela esperança de desenvolvimento do qual temos o penhor diante dos olhos, e que traz para nós, da mesma forma, uma grade responsabilidade.
1- O serviço a Deus
Meus caros confrades, no serviço a Deus precisamos considerar, inicialmente, este serviço em si mesmo, depois os lugares e as coisas, que consagradas a Deus, são confiadas à nossa religiosa vigilância ou cuidados.
I
O serviço de Deus na Santa Liturgia é um ofício público, dele somos os ministros pelo nosso santo estado clerical. A Santa Missa é o centro e o lar onde despontam os raios de todas as horas canônicas; o louvor de Deus e a oração. Demos toda a nossa atenção à celebração digna e solene da Santa Missa e das Horas Canônicas: (Frase em latin). Que este serviço se faça em sua integridade, não encurtemos nem suprimamos parte alguma. Podemos e devemos levar a compreensão disso aos fiéis, como também o gosto por essa integridade.
A experiência mostrou que o aborrecimento que traz essas supressões, contrariamente a instituição da Santa Igreja, deve, infelizmente, ser imputado mais aos Clérigos do que ao povo cristão.
Meus filhos, chamo a vossa atenção, vossa vigilância e consciência, sobre a aplicação incessante que deveis ter para englobar e honrar o serviço divino com toda a decência e respeito que lhe são devidos. Conserveis sempre, sobretudo na Celebração do Santo Sacrifício, a dignidade na compostura e a seriedade nas palavras. Infelizmente há padres que por uma espécie de rotina, recitam, dizem as palavras sagradas como se não tivessem sentimentos, falam a Deus nas orações e na sua conclusão solene, que se faz em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, com um tom precipitado que seria indigno num discurso dirigido a uma criatura humana. Temos aí uma diminuição da inteligência (ou finura) do Culto Divino. Cônegos Regulares, pela nossa vocação, somos votados à inteligência desse culto. Cumpramos com devoção e dignidade tudo o que ele prescreve, demos todo a nosso carinho e cuidado ao canto litúrgico, sem nunca nos descuidarmos, levemos essa dignidade nas palavras, atitudes e nos gestos. Não deixeis, meus irmãos, introduzir hábitos contrários, e, como a negligência pode ocorrer mais nas recitações privadas, vigieis para manter este grande espírito religioso. E para vós lembro sem cessar a obrigação, que nossas Santas Regras nos prescrevem, as cerimônias e as inclinações nas recitações do Oficio a Santa Virgem, cumpramos em nossas celas. É principalmente na administração dos sacramentos que, pronunciando Santas Palavras, e cumprindo os ritos sagrados, vós deveis ter uma compostura e respeito que se impõe a assistência.
A esse respeito lhes recomendo espacialmente o augusto sacramento do batismo, geralmente conferido sem dignidade nas palavras e na ação. Hoje em dia esse sacramento perde no meio dos homens a estima, a veneração, a importância capital que lhe são devidas, nós o adiamos ou o omitimos com uma irrefletida indiferença.
O culto exterior inerente a este sacramento e o que a ele está vinculado, quero dizer, as fontes sagradas mal conservadas e a benção sordidamente cumprida ou feita sem honra, não tem por acaso contribuído para este estado de coisas lamentáveis?. Reagis, pela religião com a qual vos estais circundados, e façais brilhar este grande sacramento diante dos olhos dos povos.
II
As Igrejas e os lugares são confiados a nossa solicitude e nos devemos aos cristãos as lições e os exemplos. Exerçais com honra as ordens menores que recebeis, tanto no cuidado com a Igreja quanto do santuário e do altar; não abandonemos aos leigos ou a mulheres devotas a ornamentação e a preparação do altar que nos foi comissionado em nossa ordenação. Descartemos do altar objetos que estragam a sua dignidade, tipo flores murchas, vasos cheios de cera; que tudo brilhe de limpo e reflita no povo nosso zelo ao serviço do tabernáculo e a vivacidade de nossa fé.
Após o altar o lugar mais santo da Igreja é o batistério. Circundai-o de honra, enfim façais respeitar os cemitérios e as sepulturas dos cristãos.
Se nas paróquias que nos forem confiadas houver oratórios de lugarejos, levanteis ou reergais a devoção, vigieis pela sua decência, pela sua manutenção e conservação. Redespertai a piedade dos habitantes, a lembrança dos ancestrais que os edificaram, e que na maioria dos casos, repousam nas redondezas em antigos cemitérios. Façais deles como que centros de devoção para as famílias, e não poupeis suas fadigas por lhes doar a honra do Santo Sacrifício. Nenhum outro culto será mais facilmente popular, nenhuma outra devoção será mais poderosa diante de Deus e dos Santos protetores da região. Os santos e antigos padroeiros dos lugares têm um direito celestial, que mesmo as pedras destes monumentos não cessam de proclamar.
Eis meus queridos filhos, alguns pontos, sobre os quais, em nossos priorados, devemos incessantemente levar nossa religiosa atenção. Deus mesmo não gosta que encaremos esses cuidados como alguma coisa inferior à dignidade da vocação sacerdotal. O zelo que lhes traremos, consolará o coração de Deus em suas moradas terrestres, e edificará os povos. Esses povos esperam se associar a vos no zelo para com a casa de Deus, eles se ligaram às nossas Igrejas e as embelezaram com seus dons.
2- O serviço das almas
O segundo objeto de nossa vocação é o ministério das almas no serviço paroquial.
Aqui nos encontramos outros perigos, e bem maiores. Não somente terrenos como combater a rotina, e levantar o peso de nossa responsabilidade nas orações, mas também encontraremos nossa personalidade, que se alimenta de nosso cuidado incessante nos trabalhos, mesmo os de nosso ministério. Há três principais atrapalhos: o exercício da autoridade, a pregação e a direção no sacramento da penitência.
I
Nosso refúgio contra nossa personalidade está na doutrina mesma de nosso sacerdócio. O sacerdote é a espécie sacramental de Jesus Cristo Sacerdote, como a Santa Hóstia é a espécie sacramental do Jesus Cristo vítima, e, como na Santa Eucaristia a substância do pão não subsiste mais, assim é necessário que no sacerdócio o homem com sua natureza e suas pretensões se aniquile o quanto possível. Mas aqui é preciso um combate contínuo, e cada vez que o homem quiser viver, é necessário fazê-lo morrer.
A autoridade, segundo este ponto de vista, é sempre um perigo, pois é no seu exercício que nossa personalidade poder mais facilmente se dar uma abertura. Se a gente não cuidar estamos expostos a ilusões singulares; no lugar de fazer reinar Jesus Cristo, são nossos ideais e caprichos, que queremos fazer triunfar e aos nossos olhos nunca estamos errados. Aqui nosso estado religioso é de grande ajuda para nós.
Nosso ministério tem algo de colegial. Regulado sob um tipo comum, pela tradição e pelo espírito do Instituto, e mantido neste espírito pelo controle dos superiores, e é também mais impessoal do que aquele do Padre secular em seu isolamento, ele se transmite de um sujeito para outro, conservando uma espécie de unidade. Mas para que se conserve assim, devemos nos defender contra o espírito privado. Inimigo desta unidade e refúgio do amor próprio. Para vencê-lo guardemos nossa alma nesta santa indiferença, da qual vos falei no começo desta palestra. Sejamos prontos a qualquer hora para deixar nossas obras, e tomarmos novas direções ou para recebermos novos encargos. Aqui está o espírito de aniquilamento que, fazendo-nos morrer, faz viver em nós Jesus: "Não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim (Carta de são Paulo ..... ).
É o espírito dos santos com total desapego dos bens, mesmo que Deus os tenha dado, como o espírito de Francisco Xavier, pronto a deixar, sob um sinal de obediência, o apostolado das índias, que Deus tornava tão miraculosamente fecundo. Assim para fazer morrer a personalidade é necessário combater incessantemente; perigos existem, não fiquemos maravilhados por estarmos provados, pois se trata de um trabalho constante; Deus se compraz a ver nossos esforços na luta, nos assiste com sua graça e coroará nossa fidelidade no céu, onde Jesus será tudo em todos os seus eleitos.
II
O perigo da personalidade se encontra no ministério da predicação. O sacerdote não é tentado pelo orgulho mediante a eficácia de sua palavra no sacramento do batismo ou no milagre da transubstanciação, no santo sacrifício da missa. Nisso é constrangido de confessar a pura operação de Deus, e, de reconhecer nestes sacramentos, que ele é uma espécie sacramental do único pontífice Jesus, que atua só. Mas no ministério da palavra, a personalidade humana aparece primeiro, e Nosso Senhor, sempre sacerdote e doutor, se reveste de talentos e dos estudos do homem, aí está o perigo para o sacerdote. Para conjurá-lo, apliquemo-nos em espírito de fé para cumprir este ministério na disposição com a qual devemos ministrar os sacramentos. A exemplo de Mons. Gay e dos santos, sejamos totalmente sobrenaturais mediante um grande sentimento de religião, sejamos vazios de sentimentos de homem e cheios do espírito de Deus.
Sejamos o puro instrumento de Deus. Ele escolhe seus instrumentos segundo seu bel prazer, e muitas vezes, para fazer o máximo de bem, usa daqueles que a sabedoria humana coloca como menos capazes. Os bons talentos, sem o espírito de Deus, muitas vezes, fazem perder aqueles que os têm e são sempre estéreis para o bem das almas. Infelizmente! A degraus de vaidade a gente pode chegar procurando a glória humana na palavra de Deus, coisa que de certa maneira seria profaná-la. Não procuremos elogios, cumprimentos dos ouvintes, quanto os recebermos, o façamos friamente, sabendo, porém, que na maioria dos casos são puras banalidades; e, se talvez sejam sinceros, tenhamos receio antes de tudo, vigiemos sobre nossa alma; "Tenho medo do sucesso", dizia chorando o Padre Lacordaire. Humilhemo-nos na obra de Deus e não nos comprazemos nela, como se fosse nossa própria obra.
Contudo, não nos deixemos levar à negligência por este sentimento de humildade. Com zelo e respeito apliquemo-nos a sustentar dignamente, ornar os nossos estudos e trabalhar com a pregação do evangelho, mas com o espírito que animava os santos ao preparar com cuidado religioso o pão e o vinho destinados à eucaristia, e nisso, não procuremos satisfação alguma de nosso amor próprio. E às vezes pode acontecer que recebais humilhações, e se sintam mal preparados e mal dispostos.Vosso prior e vossos confrades não vos pouparam suas observações. Alegrais-vos então: pois estas humilhações são sempre úteis ao pregador que se prepara, e muitas vezes, possibilita graças às almas, as quais ele é enviado.
Ainda devo vos traçar algumas regras para suas pregações. Em primeiro lugar a sua pregação deve ser humilde e dócil. Vós deveis submetê-la de bom grado ao julgamento e a aprovação de vossos superiores; se por acaso eles julgarem cortar alguma parte de vosso discurso, suprimia-a de bom grado. Infelizmente é próprio dos obstinados considerarem sempre as partes suprimidas como as melhores de seus discursos. Em segundo lugar, vossa pregação deve ser simples e pastoral. Não procurem nas pregações grandes animações, movimentos de oratória, mas a claridade, preocupando-vos unicamente de ser entendidos pelo vosso auditório, no sentido de instruí-lo e edificá-lo. Enfim, em terceiro lugar, que vossa pregação seja alimentada pelas Sagradas Escrituras e pela Tradição. Expliquemos a catecismo, o culto divino, as festas, a Santa Missa, os ritos mesmo dos sacramentos.
Ensinemos a História Sagrada; exponhamos, com o tempo, alguma parte da Sagrada Escritura e as passagens mais importantes. É necessário levar os fiéis ao conhecimento dos livros sagrados, que eles ignoram completamente ao ponto que mesmo os títulos dos livros, ou dos apóstolos que citamos diante deles, não fazem sentido algum.